domingo, 6 de fevereiro de 2011

Sem Título.

Sob a meia luz propositalmente causada, estava ela sentada, ouvindo um som que não lhe proporcionava emoção naquele momento. Era plena quarta-feira , um dia após o feriado que havia passado. Fazia muito frio naquela noite , mesmo quando tudo parecia mórbido a seu redor, ela continuava com sua lamparina acesa , intrínseca em seu eu, pensava sobre os mais diferentes assuntos (“Ela é tão bonita...eu tive ela na mão acredita ?”*) enquanto olhava os carros que passavam na rua, pensava no que veria , no que viveria. Passou então a olhar os quadros nas paredes do lugar onde ela sozinha permanecia, passou a analisar o quadro que estava acima de sua cabeça e da mesa forrada de chita e da cadeira de madeira que era onde estava sentada. A figura da tela parecia um anjo negro, algo abstrato, entretanto detalhado em uma mistura de bem e mal representada em cores roxa, rosa , verde, preto...Não seria um anjo, talvez fosse um santo, seria ele Obaluaê ? Sim, porque tinha em seus pés guizos coloridos, como a imagem aparecia solitária, era como a descrição de sua história (Sentia-se envergonhado por sua doença (a lepra), por isso escondia-se). Se de fato fosse o Santo, saberia que a moça não estava medindo-o, apenas identificou-se com a solidão que a corroia minuto a minuto , enquanto aguardava uma leve brisa chegar.

Carla Guerra.

Um comentário:

  1. Lindíssimo. Fantástico. As imagens do profano e do sagrado - embora a figura de orixá seja quase sempre lançada à sorte do profano – fazem da cena muda uma referência e reverência á cotidianidade da vida. À angústia originária de sermos sós no Outro, ou de sermos lançados à nossa própria existência, ou inexistência. Que Obaluaê nos abençõe a nossa praga de viver assim inexoravelmente sós, mas saudemos, como Mário de Andrade, a possibilidade da brisa: “Vamos viver de brisa Anarina, vamos viver de brisa!” Lindíssima. Fantástica.

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